Quando trabalho com alunos de violão de 5 a 7 anos, ainda não alfabetizados, sei que não devo forçar a aprendizagem da leitura de uma partitura. Também não posso esperar que a criança leia uma letra ou cifra. Então como abordar a questão do registro escrito com crianças desta idade? Neste post, uma solução que mudou o rumo da minha profissão, embora abusadamente simples.
Em primeiro lugar, é fundamental, sempre que falamos de crianças até 7 anos, fazermos uma boa distinção entre o que é o concreto e o que é o abstrato, pois estas crianças entendem pouco as abstrações de linguagem muito usadas por adultos. Vamos lá:
O que é o concreto?
Concreto é tudo que é palpável, ou que tem uma relação direta e literal com a compreensão da realidade. Mas esta realidade pode ser fictícia, como nos casos de contação de estórias, por exemplo. O monstro, a princesa, o dragão ou a fadinha, mesmo não existindo de verdade são uma realidade para as crianças, mas o poder de segurar a atenção dos pequenos, usando bonecos, fantoches e fantasias se torna ainda maior pelo uso do “concreto”.
O que é o abstrato?
A criança usa a sua imaginação, e nesse exercício, aos poucos se torna capaz de perceber e entender representações abstratas. A escrita é uma abstração, pois é feita de símbolos neutros, cuja combinação leva a este ou àquele significado. Até os 7 anos de idade tal abstração ainda é difícil de entender.
Além disso, aprender a ler e escrever, seja em português ou em “musiquês”, fica muito mais fácil depois de se criar uma percepção prática do som. Falar, depois escrever. Tocar, para depois saber ler. A sequência deve seguir sempre a mesma lógica.
Antes de entregar um papel ou caderno para um aluno, o violão vem sempre em primeiro lugar. Exercícios em pé, para trabalhar algum elemento da percepção musical também são importantes mesmo em uma aula de violão. A leitura deve estar sempre, sempre, sempre, a serviço do aluno e da música, e nunca o contrário.
Estímulos visuais antes da aprendizagem da leitura.
Sempre existe um estímulo visual que podemos utilizar com crianças, mesmo que não seja a leitura da partitura propriamente dita.
Podemos usar linhas, por exemplo, onde o comprimento da linha indica a duração do som. Esta é a chamada escrita gráfica, exemplificada na imagem abaixo. A letra da música está ali, mas a criança não precisa ler esta parte. Note que ela é tão curta que qualquer criança pode memorizá-la de primeira.
Aprendizagem da leitura musical
Eu conheci este tipo de escrita gráfica, mostrada acima, através de um material para flauta doce, de Rosa Lúcia dos Mares Guia, diretora do Núcleo Villa-Lobos, em Belo Horizonte. Ao testar com meus alunos, este método de escrita se tornou um verdadeiro divisor de águas na minha carreira de professor, pois impactou de forma imediata e positiva a compreensão por parte das crianças, além de me ensinar o poder de uma música de 2 ou 3 notas.
Esta escrita é tão poderosa, devido ao seu caráter concreto, onde até mesmo uma criança de 5 ou 6 anos é capaz de apreender a estrutura musical, criar, e ter a música registrada em seu caderno para “ler” em casa.
Participação dos pais
Outro ponto bem legal desta forma de escrita é que os papais e mamães leigos em música também entendem de primeira, tamanha a simplicidade, e podem auxiliar a criança no treino do instrumento em casa. Em outros posts me aprofundarei mais sobre a importância na educação musical da participação dos pais.
A escrita e a leitura são assuntos cuja importância é reconhecida tanto por pais quanto educadores, pela cautela com que devem ser tratados, no sentido de não “atropelar” o desenvolvimento da criança. Por isso, é bem válido descobrir formas de proporcionar este desenvolvimento às crianças, e a música oferece esta possibilidade. Isso porque a escrita musical, mesmo quando muitíssimo simples (como a escrita gráfica), só ganha significado através da vivência musical propriamente dita.